A estranha verdade a respeito de Alfred era que o amor, para ele, não era uma questão de aproximação, mas de distância.

As Correções é o terceiro livro do Jonathan Franzen (1959- ) que eu leio. Depois da estranheza em Liberdade (2010), da admiração em Tremor (1992), posso dizer que minha experiência com As Correções (2001) foi emocionante. A essa altura, já me acostumei com a narrativa e estilo do autor, o que não é o mesmo que dizer que me agrade totalmente. Ler Franzen continua sendo deprimente, desconfortável, mas ao mesmo tempo tão revelador acerca do nosso tempo e por isso tão importante e necessário (é uma questão de conhecer uma cosmovisão diferente, de conhecer o caos do mundo contemporâneo), que esse é sim um autor que eu deva ler sua obra completa e acompanhá-lo já que continua produzindo.
No centro do enredo temos novamente uma família de classe média: os Lambert. A novidade dessa vez porém, é que a base da família, o casal Alfred e Enid, são idosos na casa dos 70 anos, o que me pegou de surpresa, é a primeira vez que leio um livro com personagens nessa faixa etária e com tão profundo desenvolvimento. A família então é formada por Alfred, Enid e os três filhos adultos entre 30 e 40 anos: Gary, Chip e Denise.
Começando pelo casal, em cada capítulo o autor se dedica a um personagem ou seja, destrincha sua personalidade, seu passado e presente, emoções, relacionamentos, pertubações, manias, carreira profissional e financeira etc. E tudo isso ligando ou explicando a formação, intimidade e relacionamento dessa família. Em outras palavras, novamente o autor apresenta uma espécie de retrato familiar e depois o desfaz em pedacinhos soprando todos eles à frente do leitor para que ele mesmo monte aquela imagem.

Como nos outros livros, não gostei de nenhum dos personagens no sentido de que nenhum deles me inspirou nada, nenhum deles me passou nada além da dura e trágica realidade humana. Todos eles figuram pessoas mergulhadas em uma agonia existencial, com o que acabamos aqui ou ali nos identificando, o que também é extremamente desconfortável. Mas, eis o grande trunfo do autor, ele consegue como ninguém colocar em palavras essa agonia do desconfortável mundo contemporâneo. O mundo que tem milhões de vantagens em relação àqueles que viveram antes – sem os mesmos recursos, sem tanta tecnologia e informação -, mas apesar disso é um mundo mais deprimido e solitário e agoniado. O mundo que se esforça para excluir Deus de tudo, o mundo ateu.
Alfred o pai, a construção feita em volta desse personagem, a comparação entre duas gerações, a troca de valores e princípios, a carga emocional que como um copo de água vai se enchendo até transbordar no final é incrível! Emocionante demais. O título, a grande correção acontece com esse personagem apesar de isso ter relação com todos os membros da família. Todos passam por várias correções ao longo da obra.
Denise a caçula, cheguei a pensar durante a leitura que fosse uma personagem por fim desnecessária. É irritante ler sobre Denise, mas, o compromisso de Franzen me parece ser mesmo preencher sua narrativa de tudo aquilo que faz parte do mundo atual, então, é compreensível essa personagem. Uma mulher confusa em sua identidade ou uma mulher completamente sem identidade.
Sobre os temas retratados na obra, a depressão e ansiedade me parecem ser os principais; todos os personagens parecem estar depressivos e ansiosos em algum grau, com um destaque para Gary e Alfred que aparecem como os casos mais graves, e Enid, é interessantíssimo como o autor trata de forma cômica e melancólica o uso de medicamentos. Outros grandes temas da obra são: o conflito entre gerações, a sexualidade, a doença de Parkinson...
Quanto a história em si, não vou entrar em detalhes aqui, a não ser o suspense desde as primeiras páginas em volta do “Um último Natal” que é o penúltimo capitulo do livro e que para mim o melhor capítulo que já li do Franzen. É muito tocante, triste, cômico (você ri de nervoso), é incrível. Fez realmente valer a pena ler esse calhamaço, quando você percebe que não havia nada solto na narrativa.
Esse livro me fez mudar de ideia em relação a reler os livros do autor. É preciso reler. Até mesmo porque da sua obra de ficção me sobra só Pureza publicado em 2015 e o primeiro livro de sua carreira ainda não traduzido para o português “The Twenty-Seventh City (1988)”. De qualquer forma quero conhecer seus livros de ensaios.
+INFO: AS CORREÇÕES | Autor: Jonathan Franzen (1959 – ) | País: EUA | Publicado a primeira vez em 2001 | Tradução: Sergio Flaksman | Editora Companhia das Letras, 2011 | 586 páginas
Classificação: 4,5
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Já li e como a Kelly sentiu, este autor , tal como Don DeLillo, costumam ser desconfortantes, pois mostram o vazio deste mundo agnóstico, hedonista e sem amor, mas ao contrário de Dostoiévski, neles apenas existe este mundo, não se contrapõe uma ideia diferente para este e por isso a angústia da desilusão e da desesperança.
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Ótimas palavras para definir a obra de Franzen, eis uma síntese de tudo o que ela é. É trágico e penso que não será diferente nos livros de não ficção, nos ensaios (já leu?). Por algumas entrevistas e outras coisas que vi do autor, a alma dele está impressa em suas obras.
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Nunca li os ensaios, penso que nem estão editados em Portugal
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